Eduardo (rapper)
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Depósito dos Rejeitados

Eduardo (rapper)

A Fantástica Fábrica de Cadáver


Quem sabe se eu tivesse menos melanina,
ou se eu fosse um exemplar da espécie canina.
Atenderia de A a Z todos os requisitos,
pra ter no registro o nome de pais adotivos.
Há sete anos vegeto no depósito dos rejeitados,
desde que me encontraram dentro de um saco plástico.
Mesmo sem alimentar balística com Famas,
fui condenando aos traumas do abandono de incapaz.
Não estou incluso nos dados sobre o adotado pretendido,
o X é na cor branca e no cabelo liso.
O casal de boy não quer ta no restaurante jantando,
com polícia colando, achando que é seqüestro relâmpago.
De no shopping explicar pro segurança seguindo,
"o menino negro ta comigo, não é bandido é meu filho."
No máximo eu consigo ser apadrinhado,
por um doador que dá pra Ong alguns centavos.
Pro bebe loiro é adoção direito a infância,
pro negrinho um colaborador mensal à distância.
O meu perfil afro só é da hora pra elite,
em companhia da Madona ou do Brad Pitt.
Só sirvo pra ser o anexado no projeto,
que angaria verba pública no Congresso.
Ninguém se importa se eu me cubro com farinha de trigo,
tentando me clarear pra atender racista rico.

Eu me sinto um produto descartável,
dispensado no depósito dos rejeitados.
Esperando alguém pra chamar de pai,
esperando alguém pra chamar de mãe. '

Pelo Eca meu martírio tinha que ser temporário,
não a porra de um vitalício calvário.
Em média em um ano um vira-lata,
deixa o instituto de zoonose e ganha uma casa.
A sociedade se preocupa com o bem estar de cachorro,
mas que se foda se o preterido aqui ta vivo ou morto.
Que se foda se ele ta nutrido, sente frio,
se ta fazendo curso preparatório pra fuzil.
Cansei de ver as Pajero se afastando do jardim,
levando aqueles que chegaram bem depois de mim.
Talvez minha mãe era outra adolescente grávida,
engrossando a estatística vergonhosa da pátria.
Outra de libido sexual despertado pela televisão,
que põe criança no pancadão descendo até o chão.
Pra deixar de ser um produto na gôndola empoeirando,
já quis pular do telhado e espatifar meu crânio.
É foda só saber o que é higiene, carinho, sorriso,
quando um promotor de justiça visita o abrigo.
Pro alvará de funcionamento não ser cassado,
nessa data dão banho, perfumam, até dão afago.
Que que adianta parede com desenho do momento,
pra quem é um número da instituição de recolhimento.
Pra quem que se igual o Michael não se despigmentar,
nunca vai ta no carro, no adesivo familiar

Eu me sinto um produto descartável,
dispensado no depósito dos rejeitados.
Esperando alguém pra chamar de pai,
esperando alguém pra chamar de mãe. '

Não vou ser outro menor carente brasileiro,
que foi livrado da contenção por um casal estrangeiro.
Que com a vida estabilizada adulto retorna,
pra conhecer e ouvir resposta da família biológica.
Sou candidato a ta na crackolândia com a pele marcada,
pelo selo de qualidade da Fundação Casa.
Quem não recebe um sobrenome no Rg,
ganha artigos 121 no Dvc.
Antes queria a família do comercial de margarina,
agora quero vitima pondo sangue pelas narinas.
De tanto ouvir que lindo mais prefiro o outro,
é só ver playboy que eu quero cerrar pescoço.
Mano, a criança no reformatório ou prostituída,
é conseqüência das noites regadas a bebida.
A mina que depois de gozar você mete o pé no rabo,
pode carregar no ventre o próximo desamparado.
Você deu sorte se teve um pai pra te buscar na escola,
pra te por no ombro te ensinar joga bola.
Uma mãe corrigindo sua lição de casa,
medindo sua febre, ajudando na tabuada.
Só sabe quem nunca teve uma família,
que ela vale muito mais que mil mansões com mobílias.
Daria contente o meu último suspiro,
se um dia ouvisse a frase: eu te amo filho.

Eu me sinto um produto descartável,
dispensado no depósito dos rejeitados.
Esperando alguém pra chamar de pai,
esperando alguém pra chamar de mãe. '

Compositor: Carlos Eduardo Taddeo (Eduardo)
ECAD: Obra #11979095 Fonograma #10408484

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