Elisa Lucinda

O Breu

Elisa Lucinda


Breu, meu eu, Deus meu
Alguém chamou minha mãe e não pediu a mim
Alguém de algum Deus, algum querubim
Retirou-a de cena sem a minha permissĂŁo
Alguém arrancou-me o umbigo sem falar comigo
Algum, de alguma misteriosa verdade, puxou-lhe o fio da vida,
A echarpe, a pipa, a idade.
Alguém anjo a levou pra compor outro coral
AlguĂ©m roubou de mim a sua voz e a sua mĂșsica que era o meu melhor vento
Adeus moqueca, adeus corvento,
AlguĂ©m levou meu mundo, meu invento, minha bruxa boa, meu ungĂŒento
Eu tÎ ainda de vestido azul de bolinha, calcinha de babado, sentada na calçada, sozinha
Minha mĂŁe nĂŁo estĂĄ na cozinha, no piano, na aula, na vizinha
Alguém badalou meia-noite e a Cinderela virou açoite, pernoite
É breu, Deus...
um buraco fundo, um vĂŁo sem chĂŁo, o infortĂșnio
Eu quero ao menos que, ao morrer o criador, não se vå também a criatura.
EstĂĄ escuro, quero luz, dĂĄ-me a luz...
Alguém desatarraxou daqui minha lùmpada maravilhosa
Agora nĂŁo posso mais ter febre;
agora ninguém mais reza e não hå compressa;
agora eu estou com pressa.

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