Eu já nasci de a cavalo seu moço, naquele mundo Que só existe na história dos velhos, fundão de fundo De lá que eu trago este causo, seu moço, porque é verdade Que vez por outra me pego montado nesta saudade
Era no tempo das tropas de maio, cada boiada Que se apartava da flor dos rodeios das invernadas Daquela feita nós vinha no rumo duma charqueada Com uma ponta de bois e turunos de aspa virada
Naquele tempo a valença dum homem era seu braço Sua tropilha, seu par de cachorros, seu poncho e laço Eu era um taura de boa coragem e respeitado Por bom de corda, mas, principalmente, por bem montado
Tinha um tostado que nessas fronteiras, era afamado Não teve boi que pisasse na frente, do meu tostado Quem é da lida conhece o valor que se dá prum pingo Naquela vida quem tinha um cavalo tinha um amigo
Mas como eu vinha contando seu moço, tinha chovido Quando chegamos no passo do arroio, tava crescido Toda a prudência mandava esperar pela vazante E o capataz decidiu que a jornada seguisse adiante
Então mandou que eu largasse na frente, puxando a ponta E eu atraquei meu tostado na enchente sem fazer conta Os culatreiros apertaram a tropa contra a barranca E o gadario se atirou na crescente, batendo guampa
É nessa hora de cada vivente, que a vida ensina Que a morte mora mais perto da gente que se imagina Um boi salino alçou alcançou meu cavalo e meteu a aspa Entre a bombacha e a aba do basto, e me atirou n'água
O meu tostado nadou mais um pouco, e sentiu minha falta Deu meia volta à procura do dono, cortando água Peguei na cola do pingo e nos fomos corrente abaixo Até que o rio nos atirou campo fora, num despraiado
Aqueles tempos se foram, seu moço, tudo é passado Levaram junto as tropilhas e as tropas, e o meu tostado Por isso os olhos molhados, seu moço, porque é verdade Que vez por outra me pego montado nesta saudade
Compositores: Luiz Carlos do Nascimento Borges (Luiz Carlos Borges), Mauro Raimundi Ferreira ECAD: Obra #3058175 Fonograma #43281655