Marcelo Junckes

Sertão

Marcelo Junckes


Já tenho barba grande mãe
Não posso mais brincar
Vou pra cidade grande mãe
Eu tenho que tentar

Aqui tem gente estranha
O tempo todo é assim
Doutor me acha bandido mãe
Quando passa por mim

Ah, eu sinto saudades mãe
De ir pra roça a pé
E de sentar na estrada mãe
Pra vê a boiada passar

Vovô já foi embora
Ficou carro de boi
Me ensinou tantas coisas
A ser como ele foi

Me dão coisas estranhas mãe
Dizem que é bom pra esquecer
Ai esqueço tudo mãe
Sinto minha vista escurecer

Vejo vovô no quintal
Por um instante e num instante
tudo vai, tudo vai, tudo vai

Tenho saudades do vendedor da igreja
Da casa de varanda
Do gado na cocheira
Bolo e fogão de lenha
Novena no natal
Família reunida
Dos primos dos amigos
Das árvores, dos sonhos
Das aves no quintal
Das festas aos domingos
Da escolinha à tarde
Das tias das canções
Da reza junto à mesa
Do sótão da represa
E do primeiro amor


Eu vou voltar pra casa mãe
Eu já me arrependi
Mas não vai ser como era antes
Agora eu sei como acontece
Eu sei o que acontece
Queria não saber

O tempo passa
Eu sei que passa
E a gente vai embora
E a gente lembra agora
Que ainda há lá fora
Coisas pra descobrir

Os anos são os mesmos
Os homens são os mesmos
E eu tenho meu emprego

Eu ando pelos bares
E ouço o que me dizem
Até quando não dizem nada

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