Na estação rodoviária eu vi um velho sentado O que me chamou atenção foi como estava trajado Um chapéu de carandá, uma bombacha empoeirada Uma guaiaca na cintura e um gibão aniquilado Eu disse: - Meu velho, conte um pouco do seu passado Porque tudo indica o senhor já lidou com gado Ele disse, meu filho eu faço isso a muitos anos E nesta labuta triste eu só tive desenganos
Eu já vi coisas bonitas meu filho, tocando boi no sertão Já sofri, chorei de mágoa, fui empregado e fui patrão Já vi águas cristalinas correndo no ribeirão Já dormi em berços de ouro e hoje eu durmo no chão É eu já fui muito insinuado e tive muito dinheiro Percorri muitos estados nesse solo brasileiro Já fui dono de grandes tropas, já fui até fazendeiro Hoje não tenho mais nada, sou peão de boiadeiro
O revés na vida da gente é como o estouro do gado A riqueza e a miséria caminham de braços dados Eu já tive muitos amores e um passado seguro Nem lembro de fim de vida, de presente ou de futuro Sou como a cascavel que enrola pra dar o bote Lobo velho e calejado não tem medo de chicote De tudo o que já passei eu me sinto conformado Quero morrer na poeira sentindo o cheiro do gado
Na lida eu fui berranteiro, fui ponteiro e capataz Já transportei muito gado sem deixar uma rês pra trás Dormia no meio do gado, vendo o gado remoendo E vendo a lua entre as nuvens de quando em quando escondendo Na frente de uma boiada, meu filho, vai sempre a tropa e o cargueiro O chefe da comitiva, as bruacas, o cozinheiro Nas margens de um riacho ali na beira da estrada Na hora da refeição reúne-se toda a peonada Já senti o frio da chuva, o cheiro da estrada molhada Já vi os peões gritando em um estouro de boiada Já vi a coruja no toco, o lobo uivar no grotão Já vi um marruco bravo gemer nas mãos do peão Já vi o sol despontando e o orvalho no capim E uma boiada murgindo ali ao redor de mim Nunca comecei viagem seu moço, para não chegar ao fim E esse orgulho eu sempre tive, sei que vou morrer assim
Meu filho, o gado advinha quando o tempo vai mudar Conhece o ponto de pouco, onde ele vai pernoitar Conhece o som do berrante e o grito dos boiadeiros E o que ajuda os peões é a prática do sinuelo Sinuelo, Sinuelo é um boi velho com um sinete no pescoço Que vai junto com a boiada, atento nos alvoroço Se um peão perde uma rês dentro do mato alongada Com jeitinho o sinuelo retorna a rês na manada
Gosto de ver as paisagens, os rios, as verdes campinas O sol a tarde sumindo atrás daquelas colinas E aquela nuvem de poeira que o vento vai levando E o pássaro um Anú Preto, no lombo do boi andando Já vi a moça bonita acenando na janela Vi um trinta pendurado na cintura do pai dela Todo peão atrevido seu moço, pode cair na esparrela O que eu não vi é couro duro que aguentasse nosso vela
Estou aqui de passagem na cidade grande Não vi onde o sol nasce, nem onde ele se esconde Esta poeira daqui meu filho, tem um cheiro tão diferente Eu prefiro o cheiro do gado do que o cheiro dessa gente São Paulo, né? Agora você me dá licença que o meu ônibus está de partida Vou para outras paragens é hora da despedida E não lhe contei a minha vida, apenas algumas passagens Espero deixar com vancê, deste velho uma boa imagem
Até logo, meu filho, até logo
Compositores: Valdemiro Neres Ferreira (Goiano), Valdemar Alves dos Reis (Valdemar) ECAD: Obra #19226