A Carta
Recebi uma cartinha
Hoje estou muito feliz
Veja, é de minha esposa
Vamos ver o que ela diz
Ao lado do meu fuzil
Neste campo de batalha
Pode troar os canhões
E espoucar as metralhas
Quero um minuto de paz
Pra esta cartinha ler
Eu já posso imaginar
O que ela manda dizer
Ah! olha veja
É como eu imaginava
(O nosso filho, Carlinhos
Quer que você volte logo
Pra brincar de cavalinho)
Há, há, há... este meu filho é peralta
Parece que ouço agora ele dizer
Mamãezinha, como eu gosto da senhora
Bem, mas vejamos o que diz mais
(O papagaio cresceu
E os primeiros palavrões
O bichinho já aprendeu)
Há, há, há
(Mas vamos ao que interessa
Escrevi pra lhe dizer
Que esta é a última carta
Que de mim vais receber)
Hem?
(Sofrendo necessidade
Cansada de te esperar
Arranjei um outro homem
Para ocupar teu lugar
Eu peço que me perdoe
E não te esqueças de mim
Foi a fome e a miséria
Que obrigou-me agir assim)
Meus amigos, vocês ouviram?
Eis a carta da traição
Suas palavras são punhais
Varando meu coração
Está aqui, querem ler?
Veja o contraste, Senhor
Vencer a luta da guerra
E perder a luta do amor
Ela me abandonou
Não é para enlouquecer?
Quanto é grande a minha dor
Quanto é triste o meu sofrer
Mas que culpa eu tive, meu Deus
Não fui eu que quis a guerra
Foi o destino que um dia
Levou-me pra longe dela
Oh! maldita carta, maldita
Vou te fazer em pedaços
Oh! carta por que trouxeste
O aviso de meu fracasso?
Atiro-te ao chão, carta ingrata
Pois tu mereces o pó
Porque também me deixaste
No mundo sofrendo só
Pedacinhos de papéis
Veja o carimbo, Brasil
E eis a data cruel
Dia primeiro de abril
Dia primeiro, dia primeiro de abril?
E não seria, amigos, sim
Talvez uma brincadeira
Que ela quis fazer comigo?
Sim, talvez seja isto
Onde está, deixa-me ver
O finalzinho da carta
Que eu não cheguei a ler, está aqui
(Meu bem
Desculpe eu ter brincado assim
Há, há, há... você acreditou? Bobinho!
Você é tudo pra mim
Hoje é primeiro de abril
Por isso é que eu menti
Mas a verdade é que eu vivo
Sempre esperando por ti
É mentira quando eu disse
Que passo necessidade
Saudade também alimenta
E eu vivo desta saudade
Quando voltares, querido
Aqui hás de me encontrar
Aguardando teu regresso
Em nosso pequeno lar
E ao terminar esta carta
Aceite com todo o ardor
Milhões de beijos e abraços
E até breve, meu amor)
Oh! oh! como eu sou bobo, meu bem
Tiveste a certeza agora
Quanto eu te amo, querida
Quanto minha alma te adora
Viu como ainda por ti
De amor minha alma delira
Oh! meu bem, eu te agradeço
Esta sublime mentira
Composição: José FortunaOuça estações relacionadas a Zé Fortuna & Pitangueira no Vagalume.FM